Biocarvão e plantas nativas podem ajudar a recuperar solos contaminados por metais pesados na Amazônia
Cádmio, Cromo, Cobre, Zinco e Arsênio. Esses são alguns dos metais pesados considerados tóxicos à saúde humana e ao meio ambiente, mas que estão presentes em solos que foram degradados pela mineração e por lixões na Amazônia.
Diante dessa problemática, alunos e professores do Grupo de Pesquisa de Estudos da Biodiversidade de Plantas Superiores (EBPS), da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) vem trabalhando na busca por soluções.
"O objetivo principal é restabelecer essas áreas degradadas a partir de uma atuação que envolve duas frentes de trabalho, que são o uso de biocarvão para recuperar o solo e a utilização de plantas fitorremediadoras para reflorestá-lo”, explica o coordenador do grupo, professor Cândido Ferreira Neto.
Pesquisador atua em duas frentes de trabalho: biocarvão e plantas fitorremediadoras
Biocarvão
O caroço do açaí é um poluente ambiental que ainda não possui uma destinação adequada na região amazônica. Uma alternativa para a reutilização desse resíduo é o biocarvão, também chamado de biochar. A partir de um processo chamado pirólise, em que há a degradação térmica do caroço do açaí em altas temperaturas e na ausência de oxigênio, os pesquisadores conseguiram chegar à temperatura ideal para que o caroço não vire carvão e ainda mantenha suas propriedades físico-químicas, necessárias para a nutrição do solo.
biocarvão feito a partir do caroço do açaí
Segundo o coordenador do grupo, quando aplicado no solo, o biochar do caroço do açaí tem a capacidade de reter os metais pesados, absorvendo-os e corrigindo o ph do solo, além de fornecer nutrientes.
"O biochar também retém carbono no solo, evitando que o gás carbônico alcance a atmosfera, o que contribui para evitar mais danos ao efeito estufa", diz Cândido Ferreira.
Testes entre biocarvão e plantas fitorremediadoras tem apresentado bons resultados
Plantas fitorremediadoras
Aí é a vez das plantas. Para que ocorra o reflorestamento é preciso que as plantas utilizadas também suportem a quantidade de elementos químicos presentes no solo contaminado. Para isso, a equipe também está testando espécies da Amazônia com potencial fitorremediador, ou seja, plantas com capacidade de tirar esse metal do solo, acumulando-os na raiz, tronco ou folhas, como explica o coordenador.
Três plantas testadas já apresentaram resultados positivos, com crescimento combinado ao biocarvão: Ucuuba, Mogno e Palheteira. As plantas de mogno foram expostas a níveis tóxicos de cobre, enquanto que as de ucuuba foram expostas a doses de cádmio.
“O mogno brasileiro apresentou alto índice de tolerância em todas as concentrações de cobre aplicadas, da mesma forma a ucuúba, que se mostrou tolerante ao cádmio, principalmente nas altas dosagens”, disse o pesquisador. Já a Palheteira apresentou tolerância somente a doses de cádmio e deve passar por testes com outros metais.
Para identificar o potencial fitorremediador da espécie foi feito um levantamento inicial de quais seriam essas plantas, onde foram avaliados: a tolerância do vegetal em ambientes tóxicos, a quantidade de metal que a espécie concentra em seus órgãos e a capacidade da planta em translocar o metal da raiz para parte aérea.
“Existem várias plantas com potencial fitorremediador. Mas o tempo que essa planta fica exposta a esses metais e a concentração desses elementos, podem fazer com que essa planta morra. É justamente o que não queremos”, diz o coordenador.
“O biocarvão retém o metal e depois a planta absorve e retira esse metal do solo. Como o biocarvão retém e adsorve esses metais, sua disponibilidade no solo e para a planta fica reduzida. Isso significa que a planta fitorremediadora vai absorver uma quantidade menor de metal, impactando diretamente no melhor desenvolvimento dessa planta”, diz Cândido Ferreira.
Resultado também é observado na agricultura
Essa combinação tem mostrado resultados promissores, não só para a recuperação de solos degradados, mas também para melhorar a produção agrícola na região.
“Percebemos que, quando se coloca o biocarvão a uma concentração ideal no solo, isso melhora a produção e o desenvolvimento da cultura”, explica.
Segundo o pesquisador, os solos da região amazônica são ácidos e pobres de nutrientes. Por isso é comum o uso da calagem, procedimento feito pelos agricultores para aumentar o ph do solo. “Mas com o biocarvão isso já é corrigido. O biocarvão libera macro e micronutrientes ao solo. Aos poucos ele libera nitrogênio, fósforo, magnésio, potássio, enxofre, essenciais para a planta se desenvolver. Ao longo do tempo é possível que não seja preciso adubar esse solo, o que vai impactar na renda do produtor, que não vai precisar gastar com calagem e produtos”, diz.
A equipe realizou testes com milho e jambú, e os resultados superaram as expectativas. “O biocarvão não só melhorou o ph ácido do solo, mas também forneceu nutrientes a esse solo e melhorou a produção e o desenvolvimento daquela cultura”, explica. “O Biocarvão também é capaz de reter agua no solo, em períodos de estiagem ele consegue reter essa agua e ajudar a manter a umidade do solo para a planta”, diz.
Próximos passos
Os próximos passos da pesquisa incluem a testagem de novas espécies de plantas com potencial fitorremediador, como andira-uxi, pau pretinho e tatapiririca. O objetivo é avaliar o potencial fitorremediador de cada uma dessas espécies para as áreas degradadas. Já a produção de biocarvão está sendo testada também com resíduos de outros materiais, como o ouriço e a casca da castanha, resíduos de poda e a casca do cacau. Nesse caso o foco é na produção vegetal, como a produção de mudas de frutíferas e espécies florestais e na produção de hortaliças. Eles ja estão sendo testados em culturas agrícolas, como o feijão e milho.
O projeto existe desde 2023, e conta com financiamento da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa).
Texto: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra
Fotos: arquivo do Grupo de Pesquisa de Estudos da Biodiversidade de Plantas Superiores (EBPS)
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