Hovet Ufra realiza primeira cirurgia de cão com hidrocefalia
Quando Sol, uma cachorrinha de apenas dois meses chegou ao Hospital Veterinário Prof.Mário Dias Teixeira, do Instituto da Saúde e Produção Animal (Ispa) da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), ela apresentava convulsões repetitivas, desorientação, agressividade e aumento acentuado na região do crânio. “Ela estava tendo crises epilépticas, o que me deixou preocupada, sem saber o que fazer”, disse Ana Paula Mamede, tutora do animal.
Higor Camargo, médico veterinário residente da clínica médica de pequenos animais, foi quem atendeu a cachorrinha no Hovet e percebeu os sinais clínicos. “Ela já tinha passado por outra clínica, mas foi diagnosticada com convulsão. Quando vi o quadro clínico dela, claramente percebi que indicava hidrocefalia, o que confirmamos a partir de exames”, explica.
O médico veterinário Higor Camargo foi quem atendeu a Sol e percebeu os sinais clínicos que indicavam a hidrocefalia. O diagnóstico foi confirmado por exames.
Assim como ocorre nos humanos, a hidrocefalia é um acúmulo anormal de líquido cefalorraquidiano (LCR), o líquido produzido pelo cérebro para proteger o interior do crânio. Na hidrocefalia, esse líquido excessivo aumenta a pressão do interior do crânio, causando uma série de sinais clínicos, tis como convulsões e até a morte. A solução é uma cirurgia para drenar esse líquido.
Mas isso em humanos. E no caso de cães e gatos?
“Na maioria das vezes os casos de hidrocefalia se resumem a relatos de casos descritivos, geralmente pós-mortem, ou seja, geralmente os estudos se limitam dizendo que o paciente veio a óbito, dificilmente relatam cirurgias. A literatura disponível já passa um prognóstico ruim. Porém muitos animais nós ainda conseguiríamos intervir”, diz Higor Camargo.
Esse foi o caso da Sol. A equipe do hospital decidiu realizar o procedimento, tanto pelo interesse científico, já que é um hospital escola, quanto para salvar a vida da cachorrinha. “Não é comum esse tipo de cirurgia, porque necessita de pessoal qualificado, não é qualquer cirurgião que realiza, dada a complexidade, além disso, nem todos os tutores dispõem de condições de arcar com os custos do procedimento e adquirir o implante intracraniano que se faz necessário, assim como se faz necessário um profissional qualificado e experiente disposto a executar a anestesia geral, que neste caso é mais arriscada", explica a diretora do hospital, professora Dra Déborah Oliveira.
Sol tinha apenas dois meses quando chegou ao Hovet Ufra
Com o diagnóstico, a equipe do hospital fez então uma força tarefa para conseguir realizar o procedimento. O cirurgião do Hovet/Ufra, médico veterinário Luiz Fernando Moreira, que tem mais de três décadas de experiência, se dispôs a fazer a cirurgia. A médica veterinária egressa da Ufra, Marina Benarrós, se voluntariou a realizar o procedimento anestésico e os residentes do programa de cirurgia da Ufra também participaram do processo. Todos os exames realizados no Hovet foram isentos.
Mesmo garantido a cirurgia, anestesia e tendo a isenção dos procedimentos e cirurgia, ainda se fazia necessário um exame de tomografia e o mais importante: adquirir o implante, que custava em torno de mil reais e a tutora não tinha condições de arcar com esse custo. “Para arrecadar o valor, nós promovemos um curso de Manejo de Feridas em Cães e Gatos. As inscrições cobradas foram todas destinadas para a realização da tomografia em um Hospital Particular e para comprar o implante”, lembra a diretora do Hovet, Profa Dra Déborah Oliveira.
Diretora do Hospital diz que em alguns lugares lugares do país o procedimento chega a custar R$20 mil. Com a aquisição de equipamentos em 2023 e o trabalho da equipe, a cirurgia pôde ser realizada pela primeira vez no Hovet Ufra e de forma gratuita
A diretora afirma que em alguns hospitais particulares de outros estados do Brasil e que realizam a cirurgia, o custo do procedimento chega a pelo menos R$20 mil reais. Segundo o médico veterinário Luiz Fernando Moreira, a hidrocefalia em cães é uma doença é comum, mas poucas vezes é feita a cirurgia. “São cirurgias raras, não são da rotina hospitalar. Até o implante é da linha humana, pois na medicina veterinária não temos esses implantes ainda”, explica o cirurgião.
Na Ufra, embora já tenham chegado casos da doença, não era possível realizar o procedimento. Em 30 anos de atuação no hospital da universidade, Luiz Fernando comenta que foi a primeira vez que esse tipo de cirurgia foi realizada na instituição. “Nós não tínhamos como fazer o procedimento, porque além do custo do dispositivo, também não tínhamos os equipamentos necessários para a cirurgia, como o perfurador ortopédico, que foi adquirido pelo hospital recentemente", disse. Segundo a direção do Hovet, os novos equipamentos foram adquiridos em 2023.
Cirurgia é considerada de alta complexidade
O cirurgião também explica que, embora seja um procedimento rápido, é de alta complexidade. Isso porque é preciso fazer a introdução do implante intracraniano, necessário para drenar o excesso de líquido que está sendo produzido, além da manipulação do sistema nervoso central. Ele diz que o funcionamento é parecido ao que ocorre em cirurgias de seres humanos. “Em animais com essa doença o acúmulo não é drenado, o ventrículo continua produzindo e não tem para onde escoar, com isso a caixa craniana começa a aumentar, comprimindo o cérebro. É bem parecido com o que ocorre com os humanos, o dispositivo funciona como uma bomba de sucção”.
Após o procedimento, ele diz que a melhora é imediata. “O animal deixa de sentir dores de cabeça, convulsões e outros sinais neurológicos. O animal fica mais tranquilo e tem melhora na qualidade de vida”, diz.
Uma força tarefa se reuniu para realizar o procedimento da Sol e adquirir o material necessário
Para a tutora da Sol, Ana Paula Mamede, é uma felicidade ver que agora a vida da cachorrinha mudou completamente. “Hoje em dia ela está muito bem, comparado ao antes, agora ela interage. Após a cirurgia ela passou a fazer coisas simples que não fazia, como latir, pedir comida, brincar e até implicar com a mãe. Se não fosse por essa cirurgia, talvez ela nem estivesse mais por aqui", diz.
A cirurgia ocorreu em outubro de 2023. Desde lá, Sol segue acompanhada pelo médico Higor Camargo. “Ela tem a vida de um cachorro normal brinca, pula. Ela só precisa ter cuidado na interação com outros animais, evitar mordeduras e brigas, por conta do dreno. Mas é uma paciente muito saudável e faz checkups a cada seis meses”.
Mais de um ano após a cirurgia, Sol é acompanhada pelo médico Higor Camargo e apresenta um desenvolvimento saudável
Após a operação da Sol, a equipe do Hovet/Ufra já realizou mais outro procedimento com animal com hidrocefalia. “Fazer esse tipo de cirurgia, principalmente na região Norte, muda a realidade da medicina veterinária aqui na região”, diz Higor Camargo.
Texto: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra
Fotos: Vanessa Monteiro; arquivo Hovet e arquivo pessoal da tutora Ana Paula
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