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Pesquisador fala sobre causas e as graves consequências dos incêndios na Amazônia

  • Publicado: Sexta, 20 de Setembro de 2024, 14h41
  • Última atualização em Sábado, 21 de Setembro de 2024, 08h41

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A Amazônia teve 2.026.474 hectares de área queimada somente no mês de agosto, segundo o Monitor do Fogo, do instituto MapBiomas, O Pará é o segundo estado brasileiro mais afetado, ficando atrás apenas do Mato Grosso (MT). Em 20 de setembro, véspera do dia da árvore, o estado do Pará contabilizava 309 focos de queimadas em 22 municípios, segundo monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). O município de São Félix do Xingu, sudeste paraense, ocupava a terceira posição nacional entre os municípios brasileiros que mais estão queimando.  Na última terça-feira (17) o governador do Pará, Helder Barbalho, decretou situação de emergência no estado e autorizou a mobilização de todos os órgãos estaduais para “atuarem sob a coordenação da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil nas ações de resposta ao desastre e reabilitação do cenário, incluindo a execução de programas e projetos prioritários de recuperação”, conforme consta no decreto.

O agravamento das queimadas e da seca severa ocorre em todo o território paraense, sendo as regiões mais afetadas o Araguaia, Baixo Amazonas, Carajás, Guajará, Guamá, Lago de Tucuruí, Marajó, Rio Caeté, Rio Capim, Tapajós, Tocantins e Xingu. No mesmo dia o governador lançou o Plano Estadual de Ações de Combate à Estiagem, Queimadas e Incêndios Florestais (PAEINF 2024), com uma série de ações urgentes. Em 27 de setembro o estado já havia decretado situação de emergência, proibindo a utilização do fogo, inclusive para limpeza e manejo, documento válido por 180 dias e que prevê sanções penais, civis e administrativas para quem descumprir as determinações.

Para o professor Divino Silvério, doutor em ecologia e docente da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), campus Capitão Poço, há mais pessoas usando o fogo propositalmente. Isso, associado às condições climáticas de maior temperatura e menor umidade, o que acaba facilitando a propagação do fogo e a multiplicação dos incêndios na região.

Nessa entrevista*, o professor, que atua na área de ecologia do fogo, fala sobre as principais causas de incêndio na Amazônia, as políticas de manejo do fogo, impactos do fogo para a biodiversidade, e o papel das terras indígenas e unidades de conservação na proteção contra o fogo.

 Professor, quais seriam as principais causas do aumento de incêndios na região amazônica?

"O uso do fogo na Amazônia está geralmente associado a três diferentes objetivos: manejo de áreas abertas, principalmente áreas de pastagem; limpeza de áreas recém desmatadas e sistema corte e queima na agricultura familiar e comunidades tradicionais. A maioria esmagadora dos incêndios está associado aos dois primeiros objetivos, ou seja, o uso como ferramenta de manejo das áreas abertas, geralmente pastagens, e a limpeza de áreas recém desmatadas. Um dos grandes problemas, é que esse fogo costuma sair do controle e avançar para as áreas de vegetação nativa, resultados em processos extensos de degradação florestal".

O uso do fogo aqui na região teria uma questão cultural?

 "A maioria dos incêndios está relacionada ao uso como ferramenta de manejo das áreas já degradadas, as pastagens. É uma grande quantidade dos incêndios iniciando nessas áreas já desmatadas. O fogo tem sido utilizado tradicionalmente com diferentes propósitos e faz parte da cultura de diversas comunidades tradicionais, principalmente as populações ribeirinhas e os povos indígenas. Isso é um fato. No entanto, para a Amazônia em particular, esse uso tradicional do fogo não é o responsável pelos grandes incêndios, não é a principal causa desses aumentos exacerbados da quantidade de queimadas. Eles contribuem para a soma total de incêndios, sobretudo em condições mais extremas de seca. Alguns desses incêndios, mesmo que conduzido de forma tradicional, podem sair do controle e avançar além da área planejada para ser queimada causando prejuízos indesejados. Assim, o fogo também pelas comunidades tradicionais também deve ser repensado nessas condições mais extremas como a que estamos passando agora, até como uma estratégia para amenizar os efeitos das mudanças climáticas.

Se dividirmos os números dos incêndios por causa do manejo de áreas desmatadas para pastagem, limpeza de áreas novas e desmatamento, eles representam a maioria dos incêndios. Especialmente aqueles que escapam do controle e acabam indo para as áreas de vegetação nativa. Há uma pequena fração que está associada ao uso tradicional. Este número pode variar de acordo com o ano, mas é uma fração menor".

Por que é urgente a recomendação para que não ocorra essa queima? O que é queima prescrita? 

 "Primeiro precisamos entender que o conceito do manejo do fogo é amplo e representa uma estratégia sobre como lidar com o fogo na paisagem. O manejo do fogo não quer dizer queima prescrita. Queimada prescrita é o uso do fogo de forma planejada e controlada, e seu uso tem ocorrido no Cerrado nos últimos anos, principalmente em áreas de conservação pelo ICMBio. Quando pensamos no manejo do fogo para o Cerrado, pode haver sim queimada prescrita. Manejo do fogo para a Amazônia, não deve incluir queimada prescrita para vegetação nativa, o ecossistema não é adaptado a este distúrbio e os prejuízos ecológicos são enormes. Mesmo assim, precisamos pensar o manejo do fogo na Amazônia, o fogo é um problema em grande escala que precisa de uma estratégia de gestão bem definida. Para agricultura familiar por exemplo, podemos incentivar e apoiar o uso de outras ferramentas para a limpeza de áreas para cultivo que dispensam o uso do fogo. Então, tem uma série de outras medidas, ações de manejo que podem ser pensadas e que não necessariamente implicam o uso do fogo.

A Amazônia possui alguma característica específica que a torna mais vulnerável?

 "A Amazônia é um ecossistema que não tem adaptações ao fogo. O normal é não ter fogo. O fogo sempre foi um fator bastante raro nesse ecossistema, ocorrendo somente em intervalos de milhares de anos. Então as espécies, o ecossistema como um todo, não estão adaptados ao fogo. Quando ocorre um incêndio, as consequências para a biodiversidade, para o funcionamento desse ecossistema são devastadoras em todas as dimensões".

 Que tipos de consequências?

"O fogo na Amazônia causa grandes prejuízos, como a morte de muitas árvores e a redução do estoque de carbono, o que afeta diretamente a capacidade da floresta de regular o clima. Espécies mais sensíveis ao fogo podem ser extintas localmente, prejudicando relações ecológicas, como a interação entre plantas e animais. Além disso, a ocorrência de um incêndio torna a floresta mais vulnerável a novos incêndios, pois nos anos seguintes as copas das árvores permitem a entrada de luz aumentando a temperatura e há um acúmulo de material seco que serve como combustível.

Os incêndios também afetam a saúde pública, pois aumentam a concentração de fumaça, piorando a qualidade do ar e causando problemas respiratórios. Esse impacto é prolongado e afeta principalmente as crianças e as pessoas idosas. Por isso, é crucial que todos evitem o uso do fogo, principalmente durante este período mais seco, quando o risco dos incêndios sair do controle é maior. A infraestrutura de combate a incêndios na região amazônica é muito pequena, o que torna as ações de prevenção a principal ferramenta para evitar catástrofes ambientais e sociais associadas aos incêndios".

 Existem regiões aqui no Pará em que incêndios e queimadas são mais frequentes? Há um motivo para isso?

"Em geral, o que temos observado é que os municípios com maior porcentagem de áreas já desmatadas também são os que apresentam maior frequência de fogo. Então, os municípios do Pará que estão no arco-do-desmatamento apresentam, invariavelmente, uma grande quantidade de incêndios. Por outro lado, a região oeste do estado onde estão os maiores contingentes de floresta intactas, e menor densidade de pessoas, coincide com a região com menor quantidade de incêndios. Este padrão tem se repetido nos últimos 20 anos. Além disso, a região ao longo das grandes rodovias, como a Belém-Brasília, com fronteira agrícola mais antiga, concentra uma quantidade de incêndios maior que em outras regiões".

 Nesse sentido, os territórios indígenas e unidades de conservação ainda conseguem atuar como barreira climática, ou também estão sendo afetados?
 
"Nas últimas décadas está muito claro que os territórios indígenas têm servido como uma forte barreira tanto contra o desmatamento quanto aos incêndios, que são muito mais reduzidos nessas áreas protegidas, assim como nas unidades de conservação. Esse é um padrão ainda vigente e importante. Porém nos últimos anos a gente observa que em anos com seca e, esse escudo de proteção está se enfraquecendo. As terras indígenas têm uma contribuição histórica para a redução dos incêndios florestais, mas é uma região que está também em transição. Essa força está se tornando um pouco mais fragilizada, devido às condições mais recentes de mudança do clima que acabam favorecendo grandes incêndios florestais, mesmo dentro das áreas protegidas. É uma situação mais nova".

É possível pensar num plano integrado de prevenção, reunindo todos os biomas, já que eles acabam se relacionando?

"Sim, eu acho que é possível. Tem algumas experiências interessantes, o Estado tem um papel primordial nessas políticas, que é tanto de uma política de campanhas de conscientização quanto uma política de fiscalização, mais eficiente e até antecipada. Isso passa por ações planejadas de uso, de manejo integrado do fogo em todas as diferentes paisagens. Quando falamos em manejo, é uma coisa diferente para o Cerrado, é outra completamente diferente para a Amazônia, mas essa ideia da percepção do fogo e olhar como um manejo é uma questão que precisa avançar.

A Política Nacional de Manejo do Fogo (LEI nº 14.944, de 2024), recém aprovada, traz um arcabouço legal para ampliar essas ações associadas ao manejo integrado do fogo. É um marco importante, porque antes existia a política de fogo zero, que não permitia utilizar o fogo como ferramenta de manejo da paisagem, mesmo para o Cerrado que é mais adaptado ao fogo. Esta nova lei abre possibilidades desse manejo do fogo ser pensado em mais a longo prazo. Vale relembrar, no entanto, que para a Amazônia, manejo do fogo não precisa e não deve incluir queimada prescrita da vegetação nativa.

Esta nova lei representa um ganho, um avanço, mas outros aspectos, como a quantidade de recursos alocados para o combate aos incêndios, ainda são insuficientes. Uma resposta rápida com ações de comando e controle emergenciais, demanda mão de obra e equipamentos prontamente disponíveis. Mas isso precisa ser pensado como uma política de longo prazo para as brigadas de incêndio. Por exemplo o contrato dos brigadistas dura apenas alguns meses, por isso ações de prevenção que precisam de atenção no período de menor incidência do fogo ficam prejudicadas. As políticas públicas precisam serem repensadas para incorporar no manejo do fogo de longo prazo, tanto as ações de prevenção quanto de conscientização, que são mais baratas e mais eficientes do que ações de resposta nos momentos de crise". 

 O decreto emergencial do governo do estado do Pará, que proibiu qualquer uso do fogo na região, é importante?

"É positivo porque prevê a mobilização de órgãos estaduais para ações de enfrentamento a atual crise relacionada ao grande número de incêndios no estado. Acredito que isso facilita a fiscalização e ajuda coibir os incêndios criminosos. Mas é bom lembrar que queimadas em áreas de vegetação são proibidas por lei a qualquer tempo. Isso não é algo temporário, é permanentemente proibido o uso do fogo em qualquer área com vegetação nativa".

*Entrevista para a jornalista Vanessa Monteiro, da Ascom Ufra, em 30 de agosto de 2024, como material especial para o Dia da Árvore. 

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