SARGASSUM: O que sabemos sobre as algas que chegaram à região costeira paraense
A região do salgado paraense, que concentra algumas das mais populares praias turísticas do estado do Pará (PA), tem também recebido um outro tipo de visita: o Sargassum, uma enorme massa marrom que chegou do oceano e que contrasta com as águas claras da região do estado em que o rio encontra o mar. Segundo o professor Edson Vasconcelos, doutor em oceanografia e docente no Instituto Socioambiental e dos Recursos Hídricos (ISARH), da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), o Sargassum é uma macroalga marinha flutuante que se forma no oceano. E sua biomassa, de cor marrom, serve de alimento para alguns animais e como abrigo e local de “ninho” para espécies de peixes, moluscos e crustáceos. Em praias em que há desova de tartarugas, o professor explica que isso pode atrapalhar o fluxo dos animais. E que o encalhe de sargassum na praia e em redes de pesca afetam o trabalho dos pescadores e a economia local.
Sargassum é uma macroalga marinha flutuante que se forma no oceano e chegou à região costeira paraense. Foto: Edson Vasconcelos
“Essas algas são oriundas do chamado Mar de Sargassum, no Atlântico Norte e registradas há séculos, desde as grandes navegações. Porém, a comunidade científica notou que de 2011 para cá tem se formado um grande cinturão de Sargassum no Atlântico Central, é essa que está encalhando aqui na nossa região. Todos os anos, parte dessa massa se desprende do cinturão e chega por aqui”, explica.
Salinas
O município de Salinópolis, ou Salinas, como é mais conhecido, é um dos mais afetados da região. No local, o pesquisador diz que a prefeitura municipal retira diariamente toneladas de Sargassum da praia. Ele diz que o município, por sua geografia e posição mais ao litoral, tende a receber esse maior impacto da biomassa, além de maior visibilidade. “Outra situação é que o litoral de Salinas é habitado e com praias com atividade econômica, então esse monitoramento e maior percepção pela população ocorre com mais frequência e naturalmente”, diz. Porém ele explica que foram registrados Sargassum em outras localidades, mas em menor quantidade. “Foram registrados também no município de Marudá, nas praias do Crispim e na praia de Marieta. A praia de Ajuruteua, no passado, também foi afetada por grande biomassa, e muito provavelmente será afetada nesse novo evento”, diz.
Quantidade de Sargassum em Salinópolis é a maior registrada nos últimos anos, afirma pesquisador. Foto de Juliane Vasconcelos, em visita no dia 18.03.2025
Edson Vasconcelos diz que a chegada do Sargassum no litoral paraense já ocorreu em outros momentos, o que foi registrado por pescadores e moradores locais nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2019. O que preocupa é a quantidade que está sendo registrada esse ano.
“Apesar de não chegar todos os anos em grandes quantidades, registros feitos pela comunidade local e pesquisadores mostram que todo ano temos alguma biomassa de Sargassum chegando na costa paraense. Esse ano estamos vivenciando quantidades maiores do que há 10 anos atrás, quando foi observado o último grande evento de encalhe em Salinópolis”, diz.
Pesquisador alerta para que se evite o contato as algas. Foto de Juliane Vasconcelos, em visita no dia 18.03.2025
Em parceria com os órgão locais, o pesquisador não indica o fechamento das praias afetadas pelo Sargassum, mas alerta para que se evite o contato as algas. “O contato direto com a alga não apresenta problema, porém é preciso ter cuidado fauna acompanhante, como os cnidários, entre eles as águas vivas, que podem causar acidentes, como queimaduras e urticarias. A outra questão é que esse material em decomposição libera enxofre, o que pode causar alergias e incômodos”, diz.
Pescadores e moradores locais contribuem com registros. Imagem: Edson Vasconcelos
Ele explica que o relato de pesquisadores e moradores locais é muito importante para compreender o Sargassum. E embora não seja possível traçar uma previsão sobre quando esse fenômeno vai encerrar, relatos de moradores de Salinas atestam que os últimos eventos ocorreram entre os meses de fevereiro e maio. “É pouco provável que perdure mais que isso, mas temos que ficar vigilantes”, alerta.
Pesquisa
Essa vigilância ocorre também via sensoriamento remoto, onde a mancha de Sargassum em deslocamento para a região costeira paraense foi observada pelos pesquisadores. O professor, que atua diretamente com estudos sobre essa alga, está realizando pesquisas voltadas ao crescimento do Sargassum em condições do mar amazônico, além do monitoramento da costa e trabalhos de conscientização junto aos grupos de comerciantes e atores locais, como as secretarias de meio ambiente e associações.
Um dos projetos em atividade faz parte do consórcio "Weeds of Change", financiado pelas agências de fomento da França (Agence nationale de la recherche - ANR) e do Brasil (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco - FACEPE), que envolve França, Holanda, México e Brasil. O objetivo do projeto é saber qual o papel do mar amazônico na proliferação do Sargassum, um problema de escala transcontinental.
Professor Edson Vasconcelos integra projeto internacional sobre o Sargassum. Foto: Bruno Chaves
Desde 2012, regiões como o México, Caribe e países da costa oeste do continente africano, (como Ghana, Marrocos, Senegal e Nigeria), chegam a ter encalhes anuais de Sargassum, períodos que chegam a durar de seis a nove meses de encalhe. “Nesses países já existe uma gestão costeira para redução dos danos e uma grande quantidade de recurso envolvida. O que inclui pesquisas que estão sendo feitas para que exista o reaproveitamento dessa biomassa, na construção civil, biocarvão e biofiltro”, diz.
Na região do salgado paraense, os primeiros registros de encalhe são de 2014. Para verificar se essas algas estão conseguindo se desenvolver na região amazônica o professor coordena uma série de experimentos no Laboratório de Ecologia Marinha e Oceanografia Pesqueira da Amazônia (LEMOPA/Isarh/Ufra). A partir da coleta e análise de Sargassum encalhado no salgado paraense, o objetivo é verificar se essas algas estão conseguindo se desenvolver na região amazônica. Até então, o Sargassum não sobrevivia diante na salinidade e das correntes do litoral paraense.
Experimento em laboratório na Ufra. Professor avalia se alga pode se desenvolver no Pará. Foto: Bruno Chaves
“O Sargassum dessa espécie não é criado aqui. Ele vem do oceano a partir de um complexo sistema de correntes costeiras. Ele não costuma se desenvolver em salinidade abaixo de 20. Ao coletar material e água na região de salinas encontramos, a 10 milhas da costa, uma salinidade máxima de 17. Essa baixa salinidade pode funcionar como uma barreira para impedir o crescimento, mas não a chegada do material através das correntes costeiras”, diz.
Mas estamos diante das mudanças climáticas. “Aumento da temperatura do oceano, modificação na intensidade da direção de algumas correntes marítimas e massas de ar são alguns dos fatores que influenciam diretamente no Sargassum”, afirma o professor.
Mudanças climáticas
“Alguns artigos sugerem que a vazão do sistema estuarino amazônico e o que acontece no continente, como o aumento no uso de fertilizantes, o desmatamento, processos de urbanização desordenada, queimadas e lixiviação, podem ser fatores que implicam na formação dessa grande massa em ambiente oceânico. No entanto é um sistema pouco compreendido e ainda com diversas hipóteses a serem testadas”, explica Edson Vasconcelos. Entre essas hipóteses o professor cita desde a poeira do Saara que chega aos oceanos, até a redução de velocidade das correntes marinhas em nível global e fenômenos como El Nino e La Nina.
Mudanças climáticas influenciam no Sargassum, afirma pesquisador. Foto: Bruno Chaves
Embora o pesquisador acredite que o Sargassum não consegue se desenvolver na região, já que é uma alga de oceano, as pesquisas esperam confirmar isso. “Nós temos a questão da salinidade e das correntes que impedem esse crescimento. É muito improvável que ele se desenvolva aqui, mas precisamos observar. Isso porque, se ele crescer, é uma alga exótica, já que não pertence à Amazônia. Seria um vetor de animais exóticos que podem ter potencial invasor na região, modificando toda a dinâmica ecossistêmica”, alerta.
Texto: Vanessa Monteiro, jornalista, Ascom Ufra
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